As feridas da alma em Lampedusa


É 01h da manhã. A casa está em silêncio, mas cá dentro há um ruído que não me larga. Sinto uma urgência que não me deixa adormecer — a urgência de escrever.
Hoje escrevo com o som suave de Morricone que embala os pensamentos, enquanto a minha cadela dorme tranquila, deitada ao meu lado. Há uma paz estranha neste cenário, mas também um peso no peito. Porque escrever, para mim, é isso: uma forma de resistir à indiferença, de gritar baixinho ao mundo que há coisas que não podemos ignorar. As palavras são pequenas lanternas que acendemos na escuridão. E esta noite, talvez alguém, em algum lugar, as veja… e acorde também.

No dia 27 de Maio , por razões profissionais assisti ao seminário “Migrações: Acolher e Integrar, que desafios?”, uma iniciativa do Município de Valongo. Era só mais uma manhã a falar sobre migrações, pensava eu. Mas não era. Nada foi “só”.
O Dr. Pietro Bartolo, médico de Lampedusa e ex-eurodeputado, subiu ao palco com a voz serena de quem carrega o peso do mundo… e, ainda assim, continua de pé. Conhecido pela sua incansável atuação humanitária junto de migrantes no Mediterrâneo, Pietro Bartolo não nos trouxe apenas dados. Trouxe-nos vidas.

Passaram-se mais de 48 horas e ainda escuto a sua voz. Ainda vejo as imagens. Ainda sinto as histórias.
A sua humildade fez o auditório inteiro estremecer. Com palavras nuas e olhos cansados, fez-nos sentir — na pele e na alma — a dor de quem parte sem saber se chega.Mas também a dor de quem fica para acudir, cuidar, acolher. E que dor é essa, que se cola ao peito como o sal numa ferida aberta.

Pietro Bartolo diz que as feridas da alma são difíceis de curar.E diz isso com a autoridade de quem viu mais do que devia, de quem segurou mãos que já não tinham força, de quem ouviu silêncios que gritavam.

Lampedusa deixou de ser uma ilha distante. Ganhou cheiro, rosto, lágrimas.E eu...ganhei inquietude.

Fico a pensar: quantas fronteiras cabem dentro de uma só vida?
E quem somos nós, se não cuidarmos uns dos outros?

Amanhã, o mundo continuará a girar com a mesma pressa de sempre. Mas eu vou levá-lo comigo — o olhar de Pietro Bartolo, as histórias que não cabem em manchetes, a certeza de que a empatia é uma escolha diária. Porque ouvir, sentir e depois calar… não é opção. Que este texto seja semente. Que nos empurre, mesmo que devagarinho, para um lugar onde ninguém tenha que fugir para poder viver.

Bj utópico
Dri

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