Entre nós e as palavras....


01:00:
- o computador ainda continua ligado. 
- o candeeiro da sala ainda ilumina o meu teclado
- as palavras ainda perseguem o meu pensamento
- as janelas do browser aumentam em vez de diminuírem
- os phones deixam-me voar por uma multiplicidade de sons….

Mas o mais importante, tu sentado no sofá à minha espera e, como sempre, acabas por adormecer à espera que eu termine o meu trabalho. Alias dormes no sofa até eu te acordar e dizer calmamente : vamos para a cama? Não imaginas como é importante sentir a tua presença no sofa pois é uma força extra para estas noites de trabalho arduo, mesmo sabendo que estas a dormir. 

Neste periodo de confinamento e quarentena, e por motivos académicos, tenho lido muito sobre conceito de família, sobre dinâmicas familiares. E na verdade os factores individuais, sociais, relacionais, comunitários que envolvem a família podem contribuir para o sucesso ou insucesso da relação. Cada vez menos acredito que não há príncipes encantados nem há histórias encantadas. Mas podem existir dinâmicas familiares verdadeiras como momentos altos e baixos, pois na verdade a nossa vida é como uma tombola. Diria mesmo que com o passar da idade estou a transformar-me uma cética otimística mas com uma réstia de utopia.

Mas todo este testo porque esbarrei metaforicamente num poema de Mario Cesariny que reflecte esta dicotomia entre as palavras e a essência do ser humano :

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Bj utópico
Dri





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