Um fino e um prato de tremoços, se faz favor?

A noite estava estrelada. O ar abafado.
Uma autêntica noite de Verão. Sentado na esplanada do café do Bairro, os seus olhos percorriam as pessoas que circulavam por ali. Mas, aquela noite criava nele uma inquietude. Uma inquietude típica de quem vive todas as noites com o vento na face e adrenalina nos limites máximos. Estava na hora de terminar o fino e os tremoços. Estava na hora de iniciar o ritual de todas as noites, mesmo todas, incluindo feriados, férias e fins-de-semana. Levantou-se, pegou nas chaves, atirou umas moedas para cima da mesa e dirigiu-se para o carro. Este, de cor vermelha, pneus largos, jantes pretas e vidros fumados. Arrancou de forma súbita. Aprendeu a conduzir desde jovem e em todos os momentos fortuitos sempre mostrou a sua habilidade inata para conduzir. Nunca passou por uma escola de condução, mas a falta de carta de condução levou-o muitas vezes à sala de audiências. Nunca se assustava com as multas, os sermões dos advogados ou mesmo com a presença de um juiz. Vivia a vida ao limite e isso transformava-o num delinquente de furtos específicos. Alias o objecto dos furtos, acompanhava-o nas diversas etapas da vida: carteiras, bicicletas, motorizadas, máquinas de tabaco ou automóveis.
Estas palavras reportam uma história. No entanto, a verdade, é que todos os dias me consciencializo que esta é a realidade deste país e desta sociedade. Só é de lamentar que os nossos políticos e os nossos “legisladores” não tenham conhecimento da mesma. Não nos podemos esquecer que estes redigem as leis sentados numa secretária com vista para o Tejo ou para o Terreiro do Paço. Porém a delinquência juvenil e os pequenos furtos são uma realidade cada vez mais frequente no nosso país e nos nossos tribunais.
No entanto, o legislador, em vez de criar soluções para reestruturar estes jovens ou mesmo praticantes de pequenos furtos, inspira-se e escreve verdadeiras obras de arte. Senão vejamos, o novo Código de Execução de Penas que prev¬ê uma alteração no sistema aberto, nomeadamente, que após ¼ de pena, o recluso, independentemente do delito cometido, pode beneficiar deste regime.
A supra mencionada alteração é uma forte premissa para o aumento de clivagens sociais e da própria criminalidade. Todavia os nossos partidos políticos aprovaram este novo código, à excepção do CDS-PP. O referido partido politico em prol da sociedade civil criou uma petição online (http://www.peticaopublica.com) com o objectivo de alterar as alíneas que permitem a saída das prisões de condenados por crimes violentos. O CDS-PP não concorda que o regime aberto seja um regime padrão do cumprimento da pena, uma vez que, este permite que ao fim de um quarto do seu cumprimento, os condenados por crimes graves e violentos sejam colocados no exterior, sem vigilância da polícia e por mera decisão de um director geral. A atitude do CDS-PP mostra um verdadeiro interesse na luta da criminalidade do país, mas também no crescimento de uma política criminal justa.
Paralelamente, ao novo Código de Execução de Penas, diariamente a justiça é alvo de setas nos seus parâmetros. Veja-se a vontade de alguns em terminar com a Ordem dos Advogados, os mega-processos, as escutas apagadas ou mesmo a absolvição do peixe graúdo em prole da sardinha pequena que continua a sentar-se no banco dos réus sistemática e diariamente. Sou a favor de que a justiça precisa de se adaptar à realidade, mas sem nunca se esquecer que se dirige para seres humanos que, muitas vezes, erram na vida. Porém, o erro não pode ser sinónimo de injustiça nem de discriminação. A justiça deve ser igual para todos e sem nunca esquecer a dignidade humana. No entanto, senhores legisladores, esta não precisa de romances nem dramas, mas sim de leis claras, concretas e concisas.
Imbuída deste espírito de rectidão, nem ouvi a porta bater. Era um convite: são sete da tarde, está um fim de tarde fantástico, vamos até a Ribeira beber um fino e comer um prato de tremoços?

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