Quem somos, afinal?
Esta pergunta ecoou em mim, pela primeira vez, na adolescência, quando mergulhei nas páginas do livro O Mundo de Sofia. Na altura, achei que era só mais um livro — uma perspectiva filosófica, diziam os adultos. Mas, hoje ao ouvir os discursos do Dia de Portugal, descobri que aquela pergunta ficou: quem somos? Talvez tenha ficado nas gavetas da memória como uma pedra no sapato ou como uma semente no coração.
A verdade é que hoje, tantos anos depois, ao escutar o discurso da Lídia Jorge — aquela voz que carrega a lucidez serena de quem já viu muito — fui levada de volta ao Mundo de Sofia e das interrogações. Lídia Jorge disse: “Cada um de nós é uma soma. Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou.”
E então pensei que podia responder à adolescente que leu o Mundo de Sofia que somos todos mistura.
Mistura de histórias, de dores, de conquistas e silêncios. Somos a criança curiosa e o velho que já desistiu de perguntar. Somos o corpo que dança e a mente que questiona. Somos o que herdámos e o que escolhemos ser. Não há uma identidade pura porque mesmo na natureza não há uma raiz sem ramos.
Dentro de mim vivem as raízes dos meus pais, dos meus avós e dos meus bisavôs, mas vive também a diáspora dos que foram, a esperança dos que vieram, os fantasmas do que foi feito em nome de algo maior ou menor.
E talvez por isso a pergunta não seja só “quem somos”, mas também de quem venho? e quem quero ser agora? Neste mundo que gira cada vez mais depressa, onde nos exigem certezas, talvez o mais revolucionário seja parar e abraçar a complexidade.
Talvez sejamos todos um pouco do Mundo de Sofia. ou seja, filósofos por dentro, mesmo quando ninguém vê.
Bj utópico
Dri
PS- Amanhã tenho de ir a biblioteca dos meus pais procurar o Mundo de Sofia. Ler O Mundo de Sofia aos 40 será como revisitar a adolescencia. Na adolescência, aquele livro era uma revelação em cada página pois cada conceito era uma descoberta, cada filósofo era uma revelação. Hoje, já conheço muitas das perguntas, já tropecei em algumas respostas, mas há uma nova camada: a da experiência. A leitura agora é menos sobre “aprender” e mais sobre “lembrar”. E talvez o segredo esteja aqui perceber que a filosofia continua a perguntar por nós, mesmo quando andamos distraídos com a pressa dos dias.
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