No calor das audiências, o frio das relações — e o papel do direito
Esta semana senti o calor na temperatura mas também no ar parado das salas de audiência de diferentes cidades que carregam o sol, mas também o silêncio abafado das mágoas mal resolvidas. Foi em diferentes salas do norte do país que ouvi o mesmo eco, o mesmo cansaço e os mesmos conflitos com nomes e rostos diferentes. Era o silêncio que gritava entre um “ela não deixa” e um “ele não cumpre”. As paredes bege, os olhares endurecidos de pais e mães sentados frente a frente, como se ainda estivessem em guerra, mesmo depois do fim do amor.
Assim foi mais uma semana mergulhada em processos de responsabilidades parentais, ou seja, um nome bonito para o que, muitas vezes, é só uma guerra disfarçada pela palavra protecção num cenário de guerra de uma sala de audiencias.
Nestas salas, vi pais e mães que não se escutam. Não por falta de voz, mas por falta de vontade. Mas também vi quem fala alto mas não ouve, vi quem aponta dedo, mas não vê. E vi crianças a ser tratadas como armas, como troféus, como provas de quem “ganha” a luta.
E no meio disso tudo, a Advogada, que também é mulher, filha e mãe, mas que com imparcialidade tentou mediar o impossível, tentou que nascesse a sensatez onde só há raiva acumulada e orgulho ferido. Ser advogada não é só no papel: é carne, é alma, é cansaço, é ver o ego de alguns intervenientes gritar mais alto que o bem-estar da criança, é sentir que, muitas vezes, o que falta não é regra nem lei, mas a empatia. Diria mesmo que falta escuta em todos os intervenientes.
Saí de algumas salas com uma sensação de cansaço e dei por mim, a caminho do escritório, a pensar naqueles pequenos seres que dependem tanto dos adultos que ainda não aprenderam a amar sem condicionar, sem controlar, sem ferir. Ser advogada, nestes casos, não é só aplicar o direito. É carregar histórias mal contadas, mágoas que não cabem nos autos, decisões que nunca são neutras.
Mas ainda assim, sigo. Sigo porque acredito que, entre tanta rigidez, ainda há espaço para todos os intervenientes destes processos conseguirem o recomeço. Nem todos sabem como, mas todos podem aprender a mudar as suas praticas, as suas posturas e o seu cuidado.
E talvez, só talvez, escrever sobre isso seja também uma forma de lembrar: não basta ser pai ou mãe ou avó ou avô ou tio ou tia ou filho ou irmão, advogado, juiz, psicólogo, assistente social ou procurador no papel. É preciso ser, de verdade, na escuta, na presença e no cuidado.
Bj utópico
Dri
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